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Caso Monark: especialistas explicam por que o achismo está rivalizando com a ciência e o saber

Publicado dia 14/02/2022 às 05h43min
Declaração sobre nazismo no Flow Podcast gera debate sobre crise da expertise

O programa Flow Podcast entrou no centro da controvérsia esta semana depois que seu apresentador, Bruno Aiub, o Monark, defendeu que um partido nazista possa reconhecido por lei. Muitos se perguntam sobre o contexto que tornou possível este tipo de comentário em uma produção de ampla audiência, que já vinha provocando polêmicas. O mesmo acontece nos EUA com Joe Rogan Experience, cujo formato serviu de modelo para o seu equivalente brasileiro. Como protesto a Joe Rogan, o músico Neil Young e outros artistas retiraram suas músicas do Spotify, plataforma de streaming que abriga o podcast.

Ambos são figuras sem background científico ou acadêmico, e que mesmo assim se viam na autoridade para comentar sobre todos os assuntos possíveis. Aqui e lá, também foram cobrados por receberem figuras que promoviam preconceito e negacionismo em sua bancada, dando voz a teorias da conspiração e à anticiência. Em sua defesa, Monark sempre diz que quer conversar com todo mundo — até mesmo com Hitler, como afirmou em 2020.

Mas é possível “conversar” com todo mundo? O argumento é rechaçado por especialistas, que veem na lógica o reflexo de uma certa crise da expertise. Se, de um lado, a democratização dos meios de comunicação tornou o debate público mais aberto, do outro derrubou a ideia de que é preciso algum tipo específico de qualificação e preparação para participar da conversa.

— Alguém que não tem nenhuma autoridade e acúmulo de conhecimento, mas que, por uma razão qualquer ocupa na topografia das redes sociais um lugar privilegiado, passa a ser tratado como se tivesse credencial — diz Dawisson Belém Lopes, professor de Política Internacional e Comparada na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). — As pessoas começaram a ocupar espaços que antes lhes eram vedados.

Para Lopes, é como se houvesse uma tábula rasa na esfera pública, igualando todo mundo.

— Isso pode trazer à superfície potencialidades antes escondidas, mas também pode corroer a autoridade institucional, os consensos mínimos. Me parece que é algo novo e que estamos tendo que aprender a lidar na prática com os seus efeitos — explica.

Antigamente, a harmonia social era sustentada por alguns acordos como “vacina é bom”, “nazismo é ruim”, “a Terra é redonda” etc. Agora, eles teriam sido derrubados pela “erosão do modelo de conhecimento”, acredita Eugênio Bucci, professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). De acordo com o autor de “A superindústria do imaginário” (Autêntica), o método científico foi “jogado fora” e se encontra desacreditado.

— A ciência é reduzida a uma questão de opinião — diz ele. — Uma pessoa pode muito bem dizer que, na sua opinião, a Terra é plana. O senso comum não diferencia mais o que é um juízo de valor e o que é um juízo de fato. Isso tem conexão com o crescimento de discursos autoritários, autocráticos e populistas e com o declínio da representatividade da democracia. Assistimos à irrupção de um irracionalismo feroz, que autoriza uma pessoa reconhecidamente ignorante e prepotente a dizer que é existência de um partido nazista é democrática.

Uma questão de parâmetros e limites

Em sua defesa de um partido nazista, Monark argumentou que “as pessoas têm direito de serem idiotas”. Para Bucci, esse tipo de opinião transforma a idiotia em “um critério de ordenamento da sociedade”.

— É um critério autoritário que cassa o direito de quem quer ser diferente do idiota — diz. — Assim como Bolsonaro quer liberdade de expressão para acabar com ela. Uma pessoa tem direito a ser idiota, mas não a defender um regime que vai aniquilar pessoas inteligentes. Uma pessoa pode se perguntar publicamente por que o nazismo não pode se organizar em um partido. Mas uma democracia não tem como abrigar e fomentar a instauração de forças nazistas.

Outro argumento recorrente de Monark é que seu programa não passava de uma “conversa de bar”, e por isso seria inofensivo. Mas a própria ideia de “amadorismo” gera confusão em uma internet que diluiu a esfera do que é público e privado, individual e coletivo, acredita Issaaf Karhawi, professora do Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação, da USP .

— Não há problema nenhum de um podcast simular uma conversa de bar, há muitos formatos para se investir — diz Karhawi, autora do livro “De blogueira a influenciadora”. — Mas não se pode acreditar que a produção de conteúdo das redes sociais seja vista como amadora, já que ela passou por um longo processo de profissionalização no processo dos streamers. Além do mais, o discurso de amadorismo não pode isentar os produtores de questões éticas. Não se pode dar espaço a um debate que sai do debate qualificado e entra no limite do que é criminoso. Quando se ocupam espaços de distinção nas redes sociais, postos de muita visibilidade, é preciso cuidar do que se fala. O que se diz tem impacto na opinião pública.

Esta semana, Karhawi publicou no Twitter um fio muito compartilhado no qual discorria sobre as consequências da crise da expertise. Para ela, amadores e profissionais passam a disputar os mesmos espaços midiáticos e de visibilidade. Entre as reações ao seu comentário, houve quem a acusou de “elitismo”.

— Disseram que eu queria impor quem pode e quem não pode falar — conta. — Mas não é esse ponto. O ponto é que, como sociedade, temos uma responsabilidade de reconhecer quais são os parâmetros para a manutenção de uma discussão pública sadia, que tenha como principal objetivo gerar mudança cívica e de bem-estar social.

 Ruan de Sousa Gabriel

 

Fonte: O Globo

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