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"Que dia vai tirar essa roupa branca?" Discrimonação religiosa

Publicado dia 22/11/2021 às 22h10min
Terceirizada denuncia intolerância religiosa na Semge

Imagine ter o seu ambiente de trabalho como um espaço onde você é humilhado, constrangido e até ameaçado por conta da sua religião. Essa tem sido a realidade de Silvana da Paixão, 41 anos, que tem mais de 10 anos como terceirizada na Secretaria de Gestão Municipal de Salvador (Semge) e, há pouco mais de dois meses, foi iniciada no Candomblé, passou a usar vestes brancas e teve que enfrentar diversas atitudes de intolerância religiosa de um colega de trabalho em ambientes comuns da secretaria.

De acordo com ela, que trabalha como mensageira na Semge, os primeiros constrangimentos aconteceram no refeitório do local. Isso porque Silvana, no horário de almoço, come e bebe em prato e copo de alumínio, como sua Mãe de Santo orientou  nos primeiros meses como filha de Santo. 

"Todo mundo precisa almoçar no refeitório e eu como seguindo as regras da minha religião, de colher e com prato e copo de alumínio. Ele passou por mim e disse: 'Desaprendeu a comer de garfo e faca? Tá comendo igual a um bicho?', dando piada mesmo", conta a mensageira.

Ainda segundo Silvana, as agressões não pararam por aí. O colega mostrava também muito incômodo com as suas roupas. 

"Isso no refeitório foi só uma das coisas que esse chefe de manutenção falou. Como eu trabalho como mensageira, ele pegou carona comigo um dia e mais uma vez me confrontou: 'Que dia vai tirar essa roupa branca. Já está chamando muita atenção'. Ele se incomoda muito com as minhas vestes", relata.

Roupas de Silvana incomodavam o colega de trabalho (Foto: Acervo Pessoal)
 

Diante das atitudes do colega, Silvana decidiu buscar ajuda de sua Mãe de Santo, Rosângela de Oyá, do Terreiro Ilê Axé Oyá Onigerê, que, por sua vez, procurou a Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro-Ameríndia (AFA). Ciente do ocorrido, a AFA chegou a enviar ofício para a Semge sobre a situação, mas o retorno não foi o esperado, como conta Mãe Rosângela.

"Além de não darem muita importância, fiquei sabendo que o funcionário que fez isso vai sair como funcionário destaque. Achei um absurdo, uma pessoa que promove intolerância no setor de trabalho e sai como melhor funcionário. Ser melhor funcionário é destratar? Ser intolerante?", questiona ela. 

 

Ameaça

De acordo com Silvana, os constrangimentos se transformaram até em conversas ameaçadoras em relação a demissão, só que por parte de um membro da coordenação. Quando ela apareceu com uma mancha no rosto em setembro, o chefe de manutenção pediu que ela fosse ao hospital, com medo que ela estivesse com algo "transmissível". No entanto, ela não podia ir em hospitais, dado o curto tempo de iniciação no Candomblé. 

Três dias depois, como conta a mensageira, ela foi chamada em uma sala com o chefe de manutenção e um membro da coordenação que pediram o atestado médico e receberam dela a resposta que não poderia ter ido por questões religiosas. Foi aí que o membro da coordenação a confrontou em tom de ameaça.

"Ele disse: 'Você é de outra religião. Se caso precisar de você aqui e sua Mãe de Santo disser pra você vir, vai obedecer o trabalho ou ela?' Eu respondi que obedeceria minha Mãe. Depois, ele continuou: 'Se eu preciso de um adventista no sábado, ele vai ter que vir. Se ele for demitido, quem vai dar de comer é ele? O pastor? Já disseram que você precisa do emprego, se você for demitida, quem vai te ajudar?'. Ele falava em tom de ameaça", lembra Silvana.

Procurada, a Semge afirmou que tem ciência do caso e que vai apurar a situação para tomar providências. "Em respeito ao devido processo legal e às pessoas envolvidas, os fatos denunciados estão sendo apurados, com a colaboração da Secretaria Municipal de Reparação (SEMUR). Concluída a apuração, as providências cabíveis serão adotadas", escreve por meio de nota.

Fonte: Correio 24 horas