Notícia | CaradaWeb - 11 de setembro: a surpreendente tese que tenta explicar por que a CIA ignorou sinais dos ataques

Plantão
Opinião

11 de setembro: a surpreendente tese que tenta explicar por que a CIA ignorou sinais dos ataques

Publicado dia 11/09/2021 às 08h50min
O fracasso da CIA em identificar os sinais de alerta dos ataques de 11 de setembro se tornou um dos assuntos mais controversos na história dos serviços de inteligência. Houve comissões, análises, investigações internas e muito mais.

De um lado, estão aqueles que dizem que a agência de inteligência americana não percebeu sinais de alerta óbvios. Do outro, os que argumentam que é notoriamente difícil identificar ameaças de antemão e que a CIA fez tudo o que era razoavelmente possível.

Mas e se os dois lados estiverem errados? E se a verdadeira razão pela qual a CIA falhou em detectar o plano de ataque for mais sutil do que ambas as partes imaginam? E se o problema vai muito além do serviço de inteligência e afeta hoje silenciosamente milhares de organizações, governos e equipes?

Embora muitas das investigações tenham se concentrado em julgamentos específicos sobre os preparativos do 11 de Setembro, poucas deram um passo atrás para examinar a estrutura interna da própria CIA e, em particular, suas políticas de contratação.

Em determinado nível, os processos eram impecáveis. Os analistas em potencial eram submetidos a uma bateria de exames psicológicos, médicos, entre outros. E não há dúvida de que contratavam pessoas excepcionais.

 

"Os dois principais exames eram uma prova no estilo SAT (usadas para admissão em universidades americanas) para analisar a inteligência do candidato e um teste de perfil psicológico para avaliar seu estado mental", conta um veterano da CIA.

"Eles eliminavam qualquer um que não fosse brilhante nos dois testes. No ano em que me candidatei, eles admitiram um candidato para cada 20 mil inscritos. Quando a CIA falava que contratava os melhores, tinha razão."

Mesmo assim, o perfil da maioria das pessoas recrutadas também parecia muito semelhante - homens, brancos, anglo-saxões, americanos, de religião protestante.

Esse é um fenômeno comum nos processos de recrutamento, às vezes chamado de "homofilia": as pessoas tendem a contratar profissionais que pensam (e geralmente se parecem) como elas mesmas.

É validador estar cercado por indivíduos que compartilhem as mesmas perspectivas e crenças. De fato, tomografias sugerem que, quando outras pessoas refletem nossos próprios pensamentos, isso estimula os centros de prazer do cérebro.

Homem cruza o lobby da sede da CIA

CRÉDITO,AFP

 
Legenda da foto,

No momento dos ataques, o perfil da maioria dos analistas da CIA era muito parecido

Em seu estudo sobre a CIA, os especialistas em inteligência Milo Jones e Phillipe Silberzahn escrevem: "O primeiro atributo consistente da identidade e cultura da CIA de 1947 a 2001 é a homogeneidade de sua equipe em termos de raça, sexo, etnia e origem de classe".

O estudo de um inspetor-geral sobre o processo de recrutamento constatou que em 1964, um braço da CIA, o Escritório de Estimativas Nacionais, "não tinha profissionais negros, judeus ou mulheres, e apenas alguns católicos".

Em 1967, o relatório informava que havia menos de 20 afro-americanos entre cerca de 12 mil funcionários não administrativos da CIA, e a agência manteve a prática de não contratar minorias entre as década de 1960 e 1980.

Até 1975, a comunidade de inteligência dos EUA "proibia abertamente a contratação de homossexuais".

Ao falar sobre sua experiência na CIA nos anos 1980, um informante escreveu que o processo de recrutamento "levou a novos oficiais que se pareciam muito com as pessoas que os recrutaram - brancos, sobretudo anglo-saxões; de classe média e alta; graduados em artes liberais". Havia poucas mulheres e "poucas etnias, mesmo de origem europeia recente".

"Em outras palavras, não havia sequer a diversidade que havia entre aqueles que ajudaram a criar a CIA."

A diversidade foi reduzida ainda mais após o fim da Guerra Fria. Um ex-oficial de operações afirmou que a CIA tinha uma "cultura branca como arroz".

Imagem aérea da sede da CIA em Langley, no estado da Virgínia

CRÉDITO,AFP

 
Legenda da foto,

Imagem aérea da sede da CIA em Langley, no Estado da Virgínia

Nos meses que antecederam o 11 de Setembro, a revista acadêmica International Journal of Intelligence and Counterintelligence comentou:

"Desde o início, a Comunidade de Inteligência [era] composta pela elite protestante branca masculina, não apenas porque essa era a classe no poder, mas porque essa elite se via como garantidora e protetora dos valores e da ética americanos."

Por que essa homogeneidade importava? Se você está contratando uma equipe de revezamento, não vai querer ter apenas os corredores mais rápidos? Por que importaria se são da mesma cor, gênero, classe social etc.?

No entanto, essa lógica, apesar de fazer sentido para tarefas simples como correr, não se aplica a tarefas complexas como inteligência. Por quê? Porque quando um problema é complexo, ninguém tem todas as respostas. Todos nós temos pontos cegos, lacunas na nossa compreensão.

Isso significa, por sua vez, que se você reunir um grupo de pessoas que compartilham perspectivas e origens semelhantes, é provável que compartilhem os mesmos pontos cegos.

Ou seja, em vez de desafiar e abordar esses pontos cegos, é provável que sejam reforçados.

Presentational grey line

Os atentados

No dia 11 de setembro de 2001, dois aviões de passageiros se chocaram contra as torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York, como parte de uma série de ataques coordenados contra alvos nos EUA.

Um outro avião sequestrado por terroristas caiu sobre o Pentágono, na Virgínia, e um quarto, sobre a Pensilvânia, depois que passageiros resolveram enfrentar os sequestradores.

Os ataques de 11 de Setembro mataram ao todo quase 3 mil pessoas e foram reivindicados pela rede extremista Al-Qaeda, de Osama Bin Laden, morto em 2011 pelos EUA no Paquistão.

Presentational grey line

A cegueira de perspectiva se refere ao fato de que muitas vezes somos cegos para nossos próprios pontos cegos. Nossos modos de pensamento são tão habituais que mal percebemos como eles filtram nossa percepção da realidade.

A jornalista britânica Reni Eddo-Lodge descreve o período em que decidiu ir pedalando para o trabalho:

"Uma verdade incômoda me ocorreu enquanto carregava minha bicicleta para cima e para baixo pelos lances de escada: a maioria dos transportes públicos não era acessível facilmente... Antes de precisar carregar minhas próprias rodas, nunca havia me dado conta desse problema. Estava alheia ao fato de que essa falta de acessibilidade estava afetando centenas de pessoas."

Este exemplo não sugere necessariamente que todas as estações devem estar equipadas com rampas ou elevadores. Mas mostra que só conseguimos realizar uma análise significativa se os custos e benefícios forem percebidos.

Isso depende da diversidade de perspectivas. Pessoas que podem nos ajudar a ver nossos próprios pontos cegos, e a quem podemos ajudar a enxergar os deles.

Osama Bin Laden declarou guerra aos Estados Unidos a partir de uma caverna em Tora Bora, no Afeganistão, em fevereiro de 1996. As imagens mostravam um homem com barba até o peito. Ele usava uma túnica por baixo do uniforme de combate.

Hoje, dado o que sabemos sobre o horror que ele provocou, a declaração parece ameaçadora.

Mas uma fonte da principal agência de inteligência americana afirmou que a CIA "não podia acreditar que esse saudita alto de barba, agachado ao redor de uma fogueira, pudesse ser uma ameaça para os Estados Unidos da América".

Osama Bin Laden declarou guerra aos EUA de uma caverna no Afeganistão

CRÉDITO,GETTY IMAGES

 
Legenda da foto,

Osama Bin Laden declarou guerra aos EUA de uma caverna no Afeganistão

Para uma massa crítica de analistas, Bin Laden parecia primitivo e não representava um grande perigo. Richard Holbrooke, alto funcionário do presidente Clinton, colocou desta maneira:

"Como um homem em uma caverna pode alcançar a sociedade líder em informação do mundo?"

Outro disse: "Eles simplesmente não conseguiram justificar a necessidade de destinar recursos para descobrir mais sobre Bin Laden e a Al-Qaeda, já que o sujeito morava em uma caverna. Para eles, ele era a essência do atraso".

Agora, pense como alguém mais familiarizado com o Islã teria percebido as mesmas imagens.

Bin Laden estava de túnica não porque era primitivo em intelecto ou tecnologia, mas porque se inspirou no profeta Maomé. Jejuava nos dias em que o profeta jejuou. Suas poses e posturas, que pareciam tão atrasadas para o público ocidental, eram as mesmas que a tradição islâmica atribui ao mais sagrado de seus profetas.

Como Lawrence Wright destacou em seu livro sobre o 11 de Setembro, vencedor do Prêmio Pulitzer, Bin Laden orquestrou sua operação "invocando imagens que eram profundamente significativas para muitos muçulmanos, mas praticamente invisíveis para aqueles que não estavam familiarizados com essa fé".

Jones escreveu: "A anedota da barba e da fogueira é a evidência de um padrão mais amplo, no qual americanos não muçulmanos - inclusive os consumidores de inteligência mais experientes- subestimaram a Al Qaeda por razões culturais".

Osama Bin Laden

CRÉDITO,GETTY IMAGES

 
Legenda da foto,

Os analistas da CIA não dimensionaram a ameaça representada pelo milionário saudita

Já a caverna tinha um simbolismo ainda mais profundo.

Como quase todo muçulmano sabe, Maomé procurou refúgio em uma caverna depois de escapar de seus perseguidores em Meca. Para um muçulmano, uma caverna é sagrada. A arte islâmica está repleta de imagens de estalactites.

Bin Laden conduziu seu exílio em Tora Bora como sua própria hégira (fuga de Maomé de Meca para Medina), e usou a caverna como propaganda.

Como disse um acadêmico muçulmano: "Bin Laden não era primitivo; ele era estratégico. Ele sabia como usar as imagens do Alcorão para incitar aqueles que mais tarde se tornariam mártires nos ataques do 11 de Setembro".

Os analistas também foram induzidos ao erro pelo fato de Bin Laden frequentemente fazer pronunciamentos em forma de poesia.

Para analistas brancos de classe média, isso parecia excêntrico, reforçando a ideia de um "mulá primitivo em uma caverna".

Para os muçulmanos, no entanto, a poesia tem um significado diferente. É sagrada. E os talebãs costumam se expressar em poesia.

A CIA estudava, no entanto, os pronunciamentos de Bin Laden com um marco de referência enviesado.

Como Jones e Silberzahn observaram: "A poesia em si não estava apenas em uma língua estrangeira, o árabe; derivava de um universo conceitual a anos luz de Langley (onde está localizada a sede da CIA)".

'Ralé antimoderna'

Em 2000, a "ralé antimoderna e sem instrução" que seguia Bin Laden havia crescido, chegando a cerca de 20 mil pessoas, a maioria com curso superior e inclinada à engenharia. Yazid Sufaat, que se tornaria um dos pesquisadores de antraz da Al-Qaeda, era formado em química e ciências laboratoriais. Muitos estavam prontos para morrer por sua fé.

Enquanto isso, o alto funcionário da CIA Paul Pillar (branco, meia-idade, formado em universidade de elite) descartava a possibilidade de um grande ataque terrorista.

"Seria um erro redefinir o contraterrorismo como uma tarefa para lidar com o terrorismo 'catastrófico', 'grandioso' ou 'superterrorismo'", disse ele, "quando, na verdade, esses rótulos não representam a maior parte do terrorismo que os Estados Unidos provavelmente devem enfrentar'".

Outra falha nas deliberações da CIA foi a relutância em acreditar que Bin Laden iniciaria um conflito com os EUA. Por que começar uma guerra que ele não seria capaz de vencer?

Os analistas não deram o salto conceitual necessário para entender que, para os jihadistas, a vitória não seria garantida na terra, mas no paraíso.

De fato, o codinome dado pela Al-Qaeda ao plano de ataque foi "O Grande Casamento". Na ideologia dos homens-bomba, o dia da morte de um mártir também é o dia do seu casamento, quando ele será recebido por virgens no céu.

Islamistas pro-Bin Laden

Fonte: BBC News - Brasil

Mais Populares

ÚLTIMAS Notícias

Idoso ou velho

26 de maro de 2024 às 08:19:59

Perdão de mãe

21 de maro de 2024 às 11:38:45

Bolsonaro indiciado

20 de maro de 2024 às 14:17:04

Fale Conosco

Senhor do Bonfim - BA
99144 - 8025 | | 991448025
lajatoba@yahoo.com.br